* Por Regina Müller é médica com especialização em cardiologia pediátrica pela Universidade Ludwig Maximiliams (Alemanha), por onde também concluiu seu doutorado em Medicina. Possui ainda mestrado e doutorado em Ciências da Saúde pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). É avaliadora do Consórcio Brasileiro de Acreditação (CBA), associado no Brasil da Joint Commission International (JCI).
Eventos adversos (EAs) relacionados a intervenções cirúrgicas e procedimentos invasivos têm há muito chamado a atenção e demandado cuidado especial dos profissionais e órgãos responsáveis pelas ações na saúde. Desde 2004, a realização do Time Out foi apresentada no Protocolo Universal da The Joint Commission para Prevenção de Local Errado, Procedimento Errado e Cirurgia na Pessoa Errada. A partir de 2008, foi incluso no Manual de Padrões de Acreditação da Joint Commission International para Hospitais, o capítulo das Metas Internacionais para a Segurança do Paciente (IPSGs), que inclui a obrigatoriedade da realização do Time Out antes de cada procedimento cirúrgico. Apesar da longínqua discussão e da adoção de protocolos para a segurança, ainda hoje esses eventos são registrados em todo o mundo, até mesmo em hospitais acreditados.
Para minimizar a chance de erros em procedimentos cirúrgicos e invasivos, é fundamental a adoção da Lista de Verificação de Segurança Cirúrgica, lançada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2009. Ela deve ser aplicada em três momentos específicos no perioperatório: antes da indução anestésica, antes da incisão cirúrgica e antes do paciente deixar a sala de cirurgia.
O Time Out corresponde ao segundo momento da lista, e consiste, basicamente: em uma apresentação formal de todos os membros da equipe cirúrgica, e, por isso só deve ser realizado quando a equipe estiver completa em sala; na confirmação da identificação do paciente, do sítio cirúrgico e do procedimento a ser realizado; na previsão de dificuldades ou momentos críticos pelo cirurgião e/ou anestesista, incluindo a perda sanguínea prevista; na confirmação, pela instrumentadora/equipe de enfermagem, se todos os materiais, instrumentais, próteses etc. estão presentes e dentro do prazo de validade de esterilização com os indicadores adequados; na checagem se a profilaxia antibiótica foi realizada nos últimos 60 minutos; e na confirmação se as imagens essenciais estão disponíveis para a equipe cirúrgica em sala.
Observa-se que os processos de cirurgia segura estão intimamente relacionados à cultura da segurança e à comunicação efetiva, duas áreas que ainda representam um desafio para as instituições de saúde. O modelo do Time Out é muitas vezes comparado com o exemplo de liderança e de trabalho em equipe, trazido da experiência na aviação comercial. No entanto, nas instituições brasileiras, na maioria das vezes, o coordenador da equipe de cirurgia prefere delegar a responsabilidade de “chamar” o Time Out a um profissional da equipe de enfermagem, que necessita ser respeitado pelo restante da equipe, para que o processo se dê de forma realmente efetiva.
Mas como implementar o Time Out? Instituições têm buscado diversas estratégias com maior ou menor sucesso, mas, de forma geral, podemos indicar algumas questões fundamentais e sugestões para o processo:
- É fundamental o apoio e comprometimento pela liderança maior da instituição, como está indicado no Manual de Padrões de Acreditação da Joint Commission International para Hospitais, 5ª e 6ª edições, no Capítulo Governança, Liderança e Direção;
- A Coordenação da Qualidade deve reunir-se com as principais lideranças da área cirúrgica/procedimentos intervencionistas e da enfermagem e traçar uma estratégia a ser aplicada;
- É necessário ouvir e envolver os cirurgiões das principais equipes cirúrgicas, e os médicos que realizam procedimentos intervencionistas no hospital, mesmo que a Coordenação do Centro Cirúrgico não seja de um profissional do corpo médico;
- Deve ser definido como se dará o processo e a forma de registro do mesmo, tanto na sala de cirurgia, como no prontuário do paciente;
- Se os profissionais médicos responsáveis pelo procedimento não desejarem liderar a “chamada” do Time Out, deve ser definido quem o fará, por exemplo, pode ser o anestesista, o enfermeiro, ou o técnico de enfermagem da sala;
- Deve ser definida a forma de treinamento para esses profissionais, e como será realizado o monitoramento da adesão ao mesmo.
Algumas instituições têm se valido de formas de educação através dos Centros de Simulação Realística, onde os membros da equipe, e também por vezes, com a participação de atores, podem simular diversos cenários que coloque a equipe cirúrgica frente a situações possíveis de ocorrer no dia a dia das salas cirúrgicas e de procedimentos invasivos, recriando as barreiras de comunicação, dificuldades de relacionamento e de hierarquia, falhas operacionais, dentre outras.
A Associação de Enfermeiras Registradas de Per-Operatório (AORN, em inglês), instituição norte-americana que estabeleceu 14 de junho como o Dia Nacional do Time Out, divulgou algumas das causas reconhecidas para a falta de consistência no processo de Time Out. São elas: realizar o Time Out sem a presença de todos os membros da equipe na sala, ou mesmo antes da preparação do paciente; a falta de participação efetiva dos membros da equipe; a falta de engajamento da liderança sênior (coordenador da equipe); a equipe sentir constrangimento para falar; a falta de um foco organizacional consistente na segurança do paciente; distrações ou tempo insuficiente para realização de um Time Out adequado; e alterações de políticas realizadas sem o treinamento dos profissionais de forma adequada. Outros estudiosos também referem que a hierarquia na sala de cirurgia pode se apresentar como uma dificuldade, e que a rotatividade de funcionários contribui como um obstáculo, mesmo havendo oferta de treinamento.
Seja qual for a forma escolhida pela instituição da implementação do processo de Time Out, será mandatório o monitoramento para avaliação da qualidade deste processo e da adesão dos profissionais, bem como a análise desses resultados, que deverá ser divulgada para a liderança maior e discutida com os profissionais da instituição para um feedback adequado e a possibilidade de avaliação de mudança/ melhoria do processo.
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