– Desde aquela histórica reunião ocorrida na presidência de malta, existe um antes e um depois no aproveitamento das sinergias de sermos membros da UE na área das compras em Saúde? Esse acordo tem outros âmbitos para além da economia nas compras de medicamentos?
No passado recente houve algumas iniciativas importantes orientadas para potenciar as sinergias da colaboração entre os vários países da UE, nas áreas ligadas à avaliação, negociação e aquisição de medicamentos. A reunião realizada em Malta, em maio de 2017, foi um marco na formalização da criação da cooperação regional entre vários países, atualmente 10, sob a denominada Declaração de La Valletta. Mas importa referir outras ações importantes e que apoiaram esse passo estratégico , nomeadamente as Mesas Redondas realizadas em Haia e Lisboa em torno da inovação, custos com medicamentos, valor terapêutico acrescentado e novos formas de gerir o acesso à inovação a custos sustentáveis para os sistemas de saúde, e a criação do denominado High Level Group, cujos termos de referência foram acertados em Lisboa, em abril de 2017, justamente antes do Acordo de La Valletta.
Na realidade hoje vemos a chegada de muita inovação aos sistemas de saúde com mais valia terapêutica e ganhos em saúde, mas vemo-nos também confrontados com custos cada vez mais elevados, frequentemente com vários medicamentos em que a evidência disponível torna difícil avaliar o seu valor e o seu custo de maneira a que seja viável dispor dos medicamentos verdadeiramente úteis para os doentes.
Portanto, esta procura de sinergias é uma realidade e cremos que estas cooperações regionais, em grupos mais pequenos, podem facilitar o seu desenvolvimento de forma concreta, de forma tangível, capaz de trazer mais valias para os Estados-membros da UE e os seus sistemas de saúde, os seus cidadãos.
Nesse âmbito, procuramos não apenas conseguir negociar em conjunto, no caso de La Valletta, para uma população de mais de 160 milhões de europeus, mas também potenciar as sinergias na troca de informação, na partilha de dados, na realização de atividades de horizon scanning.
Acreditamos que esta evolução é boa, será muito valiosa para a Europa e para os seus sistemas de saúde e é necessário que todos, indústria farmacêutica, cidadãos , Governos e autoridades, cooperem da melhor forma. A indústria farmacêutica tem-se mostrado cautelosa na sua adesão – veja-se os antecedentes com o BeNeLuxA – mas acreditamos que progressivamente irá empenhar-se nestas novas soluções, nestas novas realidades.
Quando se discute o futuro da avaliação de tecnologias na União Europeia há que ter em conta também projetos como o Eunethta, a heterogeneidade das autoridades envolvidas e sobretudo o que me parece ser uma mudança de paradigma, para todos os atores, não só para as autoridades, e de que são exemplo as várias cooperações voluntárias regionais mas também o diálogo estratégico com a industria farmacêutica e mesmo a proposta de regulamento europeu na área da HTA recentemente apresentada pela Comissão.
Independentemente das questões que a proposta da Comissão suscita, a sua discussão e o delinear das bases do HTA europeu é essencial para responder as estas necessidades. Precisamos de promover a convergência das ferramentas e metodologias, um uso mais eficiente de recursos que reforce a própria avaliação e aumente a previsibilidade e os benefícios para os sistemas de saúde e cidadãos.
Estão, pois em marcha, diversas iniciativas, complexas e recentes que, estou certo, a seu tempo demonstrarão resultados. O caminho faz-se caminhando e, mais que isso, ultrapassando os obstáculos com que nos deparamos.
– O que é o Healthcare European Parliament e em que medida esta iniciativa pode ser útil a Portugal? Não será esta uma plataforma de lobby que acaba por excluir as vozes de quem não patrocina? Quais os projetos em curso nesse âmbito?
O European Health Parliament é uma iniciativa europeia, que envolve a EU40 (a rede de jovens membros do Parlamento Europeu) e várias entidades que a apoiam,
Pretende que jovens de toda a europa, com diferentes backgrounds geográficos, académicos e profissionais possam ter oportunidade de colaborar na construção do futuro da saúde, refletindo sobre desafios e oportunidades que se constituem e apontando algumas recomendações.
A iniciativa deste ano, que é a terceira, reúne 55 jovens profissionais em torno de cinco temas, desenvolvendo diagnósticos, soluções de policies e propostas concretas para o sector da saúde. Tanto quanto conheço, a reflexão e elaboração de policy papers está exclusivamente a cargo dos participantes, os quais devem procurar potenciar as suas perspectivas nas recomendações propostas, assentes na perspetiva coletiva das diferentes comissões.
No corrente ano estão em debate temas como «Workforce Planning»; «Outcomes-based Healthcare»; «Robotics, a.i., & Precision Medicine»; «Antimicrobial Resistance»; «Vaccines», tendo este grupo procurado interagir com um conjunto vasto de stakeholders (representantes de organismos públicos, membros do parlamento europeu, ONGs, media, académicos e investigadores), promovendo a discussão destes temas em modelo de plenário parlamentar. São temas de enorme atualidade e, certamente, estas novas visões serão muito interessantes.
Em Portugal esta iniciativa tem revelado grande dinâmica e o Ministério da Saúde tem mantido uma boa cooperação com este grupo de jovens, procurando que esta reflexão seja uma mais valia. A nível europeu também se colocam vários dos desafios e constrangimentos existentes na realidade portuguesa, sendo positiva esta sinergia.
Tive, recentemente, oportunidade de participar em Bruxelas, em representação do Senhor Ministro da Saúde, e pude participar em debates relevantes sobre estas questões, no qual estiveram presentes várias personalidades, como o Comissário da Saúde, Vytenis Andriukaitis e a presidente da Comissão de Ambiente, Saúde Pública e Segurança Alimentar do Parlamento Europeu, Adina Ioana VĂLEAN.
– Nos últimos anos Portugal tem sido claramente identificado como um país de referência nas relações internacionais, com Durão Barroso na UE, António Guterres na ONU, agora Centeno no Eurogrupo. Este efeito é também sentido na área da saúde na UE? Existe hoje uma ambição por parte do SNS para liderar a transformação digital da saúde também na UE?
Da minha própria vivência e ao nível em que intervenho, considero que o nosso País tem procurado salientar-se pelos seus contributos e empenho, de forma muito concreta e em prol de um espírito e ação de construção conjuntos, seja no âmbito da União Europeia, seja a nível mais alargado. É uma marca genética que temos e que vejo singrar aos vários níveis, seja onde intervém o INFARMED, seja onde participam outras instituições.
Em relação à transformação digital tem sido uma prioridade para o Ministério da Saúde, quer interna, quer externamente, através do contacto com o cidadão. Recentemente, no eHealth Summit foram apresentados muitos dos projetos que colocam Portugal entre os países mais avançados a nível europeu. Um dos bons exemplos é o da receita sem papel, calculando-se que um em cada dez portugueses saia já do consultório médico sem receita e papel. O SNS, com apoio da SPMS e a colaboração das várias instituições tem desenvolvido muitos outros projetos que estão bem patentes no Portal do SNS e permite dizer sem dúvida que o nosso País está na linha da frente da transformação digital na Saúde.
Merecedor de destaque é também o projeto Simplex +, que veio multiplicar projetos de agilização administrativa. Nos últimos três só o Infarmed criou 12 projetos para o Simplex +, entre os quais o Portal RAM, para registo de reações adversas a medicamentos, os Ensaios Clínicos Digitais, a aplicação poupe na Receita, ou o Portal Licenciamento +.
No nosso caso, também o INFARMED tem participado em projetos de transformação digital a nível europeu, nomeadamente nas áreas da farmacovigilância e ensaios clínicos e intervém na agenda de discussão de questões relacionadas com as tecnologias da informação e comunicação que possibilitam o tratamento de grandes quantidades de dados, o que é imperativo quando falamos de saúde e da necessidade de trabalhar cada vez mais com base na evidência.
Em qualquer circunstância, esta transformação digital traz mais valias claras para o cidadão, promovendo objetivos essenciais como a melhor cobertura de cuidados, o acesso e a transparência.
Nota curricular
Rui Santos Ivo é licenciado em Ciências Farmacêuticas, Universidade de Lisboa (1987). Especialista em Farmácia Hospitalar, Ministério da Saúde (1992), Ordem dos Farmacêuticos (2006) e Regulamentação Farmacêutica, a título emérito, Ordem dos Farmacêuticos (1997). Formação pós -graduada em Direito da Saúde (Faculdade de Direito, Universidade de Lisboa e Escola Nacional de Saúde Pública, 1997), Medicina Farmacêutica (Universidade de Basileia, 1999), Regulação (London School of Economics and Political Science, 1999), Gestão de Unidades de Saúde (Universidade Católica Portuguesa, 2000), PADIS – Programa de Alta Direção de Instituições de Saúde (AESE Business School, Lisboa, 2015).
Iniciou a sua carreira profissional como farmacêutico hospitalar no Hospital de Egas Moniz, atual Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, em Lisboa. Em 1993, ingressou na Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I. P. (INFARMED, I. P.), onde exerceu os cargos de vogal/vice -presidente (1994 -2000) e presidente (2002 -2005). Administrador na direção da Agência Europeia de Medicamentos (EMA), em Londres (2000 -2002). Membro do Conselho de Administração da EMA (2002 -2005). Primeiro chairman do Grupo de Coordenação das Autoridades do Medicamento da União Europeia (2004 -2005). Administrador na Unidade de Produtos Farmacêuticos / Direção -Geral de Empresas e Indústria, Comissão Europeia (2006 -2008). Diretor executivo da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (APIFARMA), que representa a indústria farmacêutica a operar em Portugal (2008 -2011). De novembro de 2011 a Setembro de 2014 exerceu o cargo de vice -presidente do conselho diretivo da Administração Central do Sistema de Saúde, I. P., com o pelouro de gestão de recursos humanos e de recursos em saúde, incluindo a coordenação da área do Centro de Conferência de Faturas (CCF). Desde 11 de setembro de 2014 exerce o cargo de presidente da Administração Central do Sistema de Saúde, I. P., entidade responsável pela coordenação dos recursos financeiros, humanos, gestão de prestações e organização de recursos de saúde. É professor auxiliar convidado, membro da comissão de coordenação do mestrado em Regulação e Avaliação do Medicamento e Produtos de Saúde e responsável pela disciplina de Regulação do Medicamento, Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa.
Em abril 2004, foi -lhe atribuído o Prémio Almofariz «Personalidade do ano 2004» no setor farmacêutico. Em 2014 foi designado Membro Correspondente Europeu da Académie de Pharmacie, França. Em 2015 recebeu a Medalha de Serviços Distintos – Grau Ouro, pelo Ministro da Saúde.