A visão de curto prazo é a que prevalece. Não há um acordo de desenvolvimento de longo prazo para Portugal e acima de tudo existe um conforto com a situação de navegar à vista e negociar cada ano a aprovação dos OE.
Escrevo este artigo no domingo seguinte ao da publicação de uma entrevista singular a Pedro Siza Vieira, atual Ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital, num momento em que o governo português apresenta no parlamento a proposta para o Orçamento de Estado (OE 2022) e por uma já esperada alta dramatização por parte dos vários atores políticos, envolvendo a ameaça de não aprovação e um cenário de novas eleições. Um filão que os media portugueses irão explorar avidamente nas próximas semanas.
‘Há nos confins da Ibéria um povo que não se governa nem se deixa governar’ é uma frase atribuida a Julio César referindo-se ao que é hoje Portugal. Mas estamos fartos de usar esta frase como desculpa na condescendência ao poder político para lhe desculpar o enorme atraso de crescimento económico que Portugal evidencia em relação aos restantes países da UE e de perder sucessivamente grandes oportunidades para convergir nessa senda (ver aqui o meu anterior editorial: O Vil Metal)
Numa altura em que o prémio nobel da economia é atribuido aos investigadores de métodos de experiências naturais que permitem extrapolar relações de causalidade em contextos socio-económicos seria útil alguém tentar compreender qual a ‘variável de bloqueio’ ao crescimento em Portugal e atrevo-me a propor aqui um check-list com destaque para o gasto de I+D, a mais desinteressante para a classe política e vou tentar explicar porquê.
Mas vamos por partes e começando pelo fim. Um extrato desta entrevista de Siza Vieira é revelador.
Acerca da pergunta sobre o aumento do salário mínimo nacional o jornalista do Expresso pergunta: E para 2022?
Siza Vieira: “Não vou entrar nessa discussão. O nosso compromisso é com a trajetória para a legislatura (de chegar aos 750 EUR x 14 / 875 EUR x 12 de salário mínimo).
O que extraímos daqui? A visão de curto prazo é a que prevalece. Não há um acordo de desenvolvimento de longo prazo para Portugal e acima de tudo existe um conforto com a situação de navegar à vista e negociar cada ano a aprovação dos OE.
Não será esta uma fórmula demasiado arriscada para governar? Como poderá um governo minoritário ter sucesso para enfrentar uma possível crise energética e cenários de grande instabilidade mundial sem conseguir amplos acordos parlamentários? Não deveriam esses acordos ser principalmente ao centro, isto é fazendo convergir a vontade da grande maioria dos eleitores e não apenas dos ruidosos partidos minoritários à esquerda?
Que contraste com a recente proposta de Emanuel Macron em França que propõe um plano de crescimento de 30 bilhões de Euros para reindustrializar a França e torná-la mais verde e menos dependente energéticamente do exterior.
Uma economia Tigre
Segundo a Wikipedia, o “Tigre Celta” também chamado “Milagre econômico da Irlanda” foi um período de crescimento econômico que transformou um dos países mais pobres da Europa Ocidental em um dos mais ricos.
As causas do crescimento da Irlanda são objeto de algum debate, mas o crédito foi dado principalmente a
(1) uma agressiva política de desenvolvimento económico impulsionado pelo Estado,
(2) associada a uma parceria social entre empregadores, governo e sindicatos,
(3) uma maior participação das mulheres na força de trabalho,
(4) décadas de investimento no ensino superior e I+D nacional,
(5) captação de investimento estrangeiro direto através de uma baixa taxa de imposto sobre as sociedades,
(6) uma força de trabalho que fala inglês;
(7) e a adesão à União Europeia.
Mas o Tigre Celta é uma evidência que poderemos ter igualmente um Tigre português, ambos são paíse pequenos e perfiéricos e ambos são membros da UE.
Este poderá ser um bom check-list daquilo que deve ser feito em Portugal para chegar a esse objetivo e poder pagar o mesmo salário minimo de €1,723.80 que paga hoje a Irlanda (fonte)
A aposta nas regiões
Mas o show da política espectáculo afasta-nos da reflexão coletiva que deveríamos estar a fazer sobre porque decai Portugal 7 posições em matéria de ranking no European Innovation Scoreboard 2021?
Em certo sentido, muitas peças deste puzzle já estão a ser colocadas no tabuleiro, tal como a captação de investimento estrangeiro e a melhor preparação da nossa força de trabalho (é raro em Portugal um jovem que hoje não saiba falar inglês) e é de assinalar o trabalho de Manuel Heitor, à frente do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior desde 2015, graças ao qual Portugal tem vindo a subir pontos com exceção para a preocupante descida em 2021. Mas frente ao ‘show mediático’ das reinvidicações de guerrilha política à esquerda, não se está a reinvindicar o investimento onde mais urge para fazer crescer os salários em Portugal.
E que não se iludam os meus leitores, não há melhor preditor de saúde que a situação económica das pessoas: quanto melhor esta seja mais saudáveis serão (ver por exemplo).
Mas o show da política espectáculo afasta-nos da reflexão coletiva que deveríamos estar a fazer sobre porque decai Portugal 7 posições em matéria de ranking no European Innovation Scoreboard 2021? (fonte) Esta irá, sem dúvida, levar-nos à importância de fomentar um desenvolvimento regional mais agressivo, em saudável competição interna.
Vejamos, por exemplo, o caso de Espanha com duas regiões no grupo dos fortes inovadores e a França com uma região líder, fazendo subir a sua média nacional. Nesse sentido, a estratégia em curso para dar mais peso às CCDR na coordenação das diferente áreas de governo em cada região poderá permitir uma saudável assimetria que será sempre positiva para o todo nacional.
Uma mensagem de Natal
Mas que pequenez mais Salazarista que as decisões de contratação e obras num hospital em Setúbal tenham que ser realizadas pelo governo da nação.
Eu recordo distintamente o Natal de 2019 em que o Primeiro Ministro António Costa fez uma promessa de colocar a Saúde como área priotária do seu governo. Nem as construções massivas de hospitais na China poderiam dar uma indicação do que se avizinhava (ou sim) e ante a maior crise sanitária no último século, o SNS Português teve um desempenho valoroso, colocando Portugal como o 2º país do mundo com maior taxa de vacinação no mundo e o primeiro da UE.
Neste sentido, envio aqui uma palavra de grande apreço e aplauso a todos os profissionais de saúde que tornaram possível este grande logro, e felicitar a atual Ministra da Saúde Marta Temido por este êxito do Estado português que ficará para a história.
Passada agora esta trégua de união nacional em que os problemas do SNS passaram para segundo plano, o foco voltará a estar centrado na evidente degradação das condições de trabalho do SNS e será enorme a fatura a pagar se não se tomarem medidas urgentes para conter a catadupa de problemas que irão emergir a partir de agora, sendo o recente caso do Hospital de Setúbal apenas o primeiro de muitos outros.
A imagem abaixo que é extraida do buscador de notícias no Google à data de hoje (17/10/2021) elucida bem as consequências da chamada ‘governação reactiva’, deve ler-se debaixo para cima:
Mas mais grave ainda é o titular: Governo vai recrutar 10 médicos para hospital de Setúbal e fazer obras de ampliação.
Mas que pequenez mais Salazarista que as decisões de contratação e obras num hospital em Setúbal tenham que ser realizadas pelo governo da nação.
Poderá o povo perguntar, mas para que servem então os conselhos de administração, administrações regionais, autarquias, CCDR, entidades reguladoras e auditoras do Estado?
Não podem ter todas estas pessoas responsáveis e organizações com mandato próprio ter a autonomia para decidir e contratar e fazer obras dentro de um orçamemto anual sobre o qual devem prestar contas e até ser recompensadas segundo o seu desempenho?
É verdade que o traumatismo provocado por sucessivos descontroles de gastos em Saúde no passado possam ter condicionado muitos controles financeiros ao orçamento da Saúde e que o diga um ministério da saúde que foi dirigido durante 4 anos por um ex-Diretor-Geral dos Impostos.
Mas o afã de querer usar as finanças e controle do déficit como bandeira de governo em nada tem de incompatível com dar a máxima autonomia de execução às organizações do atual SNS, confiar na qualidade e idoneidade dos seus gestores e premiar o seu desempenho, que por sua vez premiarão o desempenho dos seus colaboradores.
Médicos, enfermeiros e administrativos podem estar hoje organizados em CRI – Centros de Responsabilidade Integrados com excelentes resultados e não há razão para que esse grau de autonomia de gestão possa ser alargado aos conselhos de administração dos hospitais que são empresas públicas perfeitamente regulamentadas e sem que as suas obras e contratações tenham que ir a despacho no Terreiro do Paço.
Agarrar o touro pelos cornos
Ao ler as crónicas de fim de semana de pessoas que reputo com as mais altas qualificações para governar a saúde, falam na necessidade de pensar as diferentes profissões de saúde como parceiros para resolver problemas de fundo na saúde (ver esta crónica no semanário O Novo) e no Público SNS Um Apelo: Salvaguardar e Reforçar Transformando, ocorre-me uma possível medida que o Primeiro Ministro poderia anunciar este Natal.
Fazer em Portugal o que o Reino Unido fez com o NHS, criando o NHS England, NHS Wales, NHS Scotland etc. ou seja, dotar o SNS de uma gestão própria e autónoma para cada uma das regiões de saúde e antecipando assim a entrada em vigor das novas CCDR como entidades coordenadoras das outras áreas de governo imprescindíveis numa visão sistémica da saúde, ciência, educação, segurança social, alimentação, economia.
À tutela competirá aprovar esses planos regionais e garantir a sua execução financeira e, bem assim, assegurar a sua boa integração com todos os restantes prestadores de saúde (privados e do setor social) de âmbito nacional, as ordens profissionais, as entidades reguladoras, os laboratórios de investigação e desenvolvimento que fazem parte e são imprescindíveis ao todo nacional que é o Sistema Nacional de Saúde, tornando-o mais efetivo e resiliente.
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Crédito de imagem: Ministério da Saúde