Quem não se recorda deste famoso mapa em que se mostrava como evoluía a situação pandémica em Portugal…continental?
Como se, de repente, o que passava nas regiões autónomas portuguesas em matéria de COVID-19 tivesse tão pouca relevância ou interesse, para não se perder tempo com esses dados quanto estamos perante uma estação de televisão de âmbito nacional.
Verdade seja dita que tanto nos Açores como na Madeira, ambas regiões têm os seus próprios canais de televisão, para quê descer ao detalhe quando os próprios interessados já estão informados pelas suas estações de televisão regionais?
Tudo isto é muito certo, mas nesse caso deixemos de falar em SNS – Serviço Nacional de Saúde e passemos a falar de serviço de Saúde da Região Continente (SRC). E quando fazemos as reuniões no INFARMED e nos estamos a referir a “situação epidemiológica em Portugal”, teremos que acrescentar “Continental”, certo?
Mas esta situação está longe de ser caricata, ela vem revelar de forma clara a vantagem de termos regiões de saúde com plena autonomia.
Neste caso a ‘Região Continente’, foi útil pois levou-nos a optimizar as respostas à COVID-19 numa parte do território nacional, confiando a autonomia de decisão e ação nos territórios insulares às regiões autónomas de Portugal.
A descentralização na ‘região continente’
Mas, passados estes 2 anos de pandemia, quando aos poucos se volta à normalidade, podemos questionar para que podem agora servir as atuais regiões de Saúde no continente?
Não seria este o momento ideal de associar a descentralização do Estado, no momento em que este quer delegar competências nos municípios, também para as atuais regiões de Saúde – Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve?
Não poderiam estes organismos públicos ser dotados de mais autonomia? Não seria útil criar através destes uma espécie de ‘blocos de lego’ com os quais se possa aprofundar a construção de um novo modelo de Estado mais descentralizado em que sejam as próprias CCDR (Comissões de Coordenação de Desenvolvimento Regional) a articular as competências delegadas ao poder local em cada região?
Notem PF que, em nenhum instante, ninguém está a falar aqui em ‘regionalização’. De resto, esse é um debate prematuro nesta fase pós-pandêmica. O todo nacional tem todas as vantagens em manter a tutela única da “região de saúde continente”, tal como existem hoje as tutelas autónomas na Madeira e Açores.
Trata-se apenas de criar uma dinâmica organizacional mais descentralizada e simultâneamente mais integrada, de tal modo que os hospitais, centros de saúde e as respostas sociais, possam ser dadas por equipas de profissionais pertencentes a uma mesma estrutura regional com gestão administrativa e financeira autónoma, em tudo semelhante ao que já sucede hoje na Madeira com o SESARAM – Serviço de Saúde da RAM.
Esta nova arquitetura descentralizada em nada tira a necessidade de continuarem a existir as funções agregadoras dos organimos centrais como a ACSS ou a SMPS. No entanto, em vez de lidar com os +50 hospitais públicos dispersos pela ‘região continente’, estes organismos centrais passariam a articular ou a prestar serviços às 5 entidades na chamada ‘Região Continente’ (Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve) tal como já o fazem hoje com os serviços de saúde autónomos da Madeira e dos Açores.
Caminho paulatino
Num anterior artigo publicado aqui no LinkedIn, já defendemos que este poderá ser um caminho paulatino para a criação do novo ‘Instituto SNS’ que foi proposto pelo Health Cluster Portugal.
Na prática, esta proposta do Fórum Hospital do Futuro é a de converter cada uma das atuais ARS (Administração Regional de Saúde) do continente numa Agência ou Instituto público (Agência ou Instituto Regional de Saúde) dotado de mais autonomia daquela que hoje já têm para poder integrar os cuidados de saúde e dar melhores respostas de saúde pública nas 5 unidades territoriais já existentes – Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve.
Após as intervenções do Eurodeputado Manuel Pizarro na V Convenção Nacional de Saúde (ver aqui o vídeo partir do minuto 47:50) que propõe a criação de uma “agência para a promoção de saúde” desligada da atual DGS – Direção Geral de Saúde, pergunto – e não poderíamos decentralizar essas funções de promoção da saúde também nas novas ‘Agências Regionais de Saúde’ no continente tornando-as similares às suas homólogas Direções Regionais na Madeira e Açores, que têm alcançado excelentes resultados neste domínio?
Não seria esta descentralização nas ARS mais autónomas uma boa solução para tornar a DGS mais ágil e centrada em apoiar centralmente estas 5+2 entidades que poderiam ser verdadeiros comandos operacionais para a promoção da saúde, executando de modo mais eficaz os programas e as campanhas pensados para o todo nacional?
As intervenções dos responsáveis pela Saúde nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira mostram que os portugueses que vivem nas regiões insulares já dispõem de respostas muito diferenciadas em saúde, por exemplo, com nutricionistas e psicólogos em todos os seus centros de saúde (ver PF a partir do minuto 3:45:06).
A visão que foi aqui apresentadoa pelo do Dr Pedro Ramos, Secretário Regional de Saúde e Proteção Civil da Madeira mostra como uma abordagem holística em saúde é hoje mais necessário que nunca.
Conclusões
As Regiões Autónomas portuguesas têm hoje esta capacidade de agregar a ação de governo localmente e podemos e devemos partilhar, entre todos, as experiências no domínio da Saúde para melhorar a nossa resiliência numa nova era post-pandemia que continuará a ser muito imprevisível.
Como já escrevi em um editorial anterior – Como melhor repartir o que não se tem – podemos ver a descentralização de algumas das funções do governo central, nomeadamente a saúde, como a grande oportunidade para dar ao País aquilo que lhe têm faltado, um pujante crescimento económico assente num modelo de estado social moderno e equitativo.
No momento em que se debate a transferência de competências do Estado para os municípios, devemos pensar na agregação da ação desses mesmos municípios a um nível regional e pensar as reformas que possam dar mais autonomia às estruturas já existentes no continente – as Administrações Regionais de Saúde.
Talvez este seja um caminho paulatino para a criação do chamado “Instituto SNS” com já defendi anteriormente no meu editorial – Alice no País da Saúde Maravilhosa.
As apresentações e debates realizados na III Cimeira das Regiões de Saúde vêm demonstrar como uma gestão descentralizada e autónoma da Saúde pode trazer boas respostas para as populações locais e de como estas conseguem ser ainda mais potenciadas por uma articulação inteligente de recursos a nível do todo nacional.