A fonte de inspiração para o editorial deste mês devo-a ao Dr Nelson Pereira que escreveu aqui este artigo e quase pensei em colocar como título:
Tempo de fazer um ‘Reset’ e recomeçar de novo
O artigo destaca os problemas enfrentados na área da saúde em Portugal, como o aumento da despesa em saúde, falta de médicos de família, longas listas de espera e conflitos entre profissionais de saúde e o governo. Também são mencionadas as dificuldades enfrentadas pelos hospitais públicos e concorrência desigual do setor privado, a falta de um entendimento com o setor privado para salvar o SNS. O autor ressalta a necessidade de parar, refocar no objetivo de resolver os problemas e agir.
E não consigo estar mais de acordo com isto.
Talvez também a própria tutela e a Direção Executiva do SNS desejassem ardentemente poder fazer essa paragem e uma oportunidade para recomeçar de novo, a partir do zero.
Mas receio bem que mesmo que determinado por um decreto esse “parar e recomeçar” seria difícil de concretizar.
A dura realidade sempre se irá sobrepor a esta noção de que os decisores têm um total grau de liberdade para influir no sistema.
Tal como aqui escrevi ontem no LinkedIn, este artigo sugere que a noção de ‘estratégia’, ou falta dela, pode ser uma racionalização criada pelo nosso cérebro para explicar eventos. Aceitar a imprevisibilidade do universo pode levar à humildade, aceitação e resiliência emocional. Isso irá encorajar uma tomada de decisão flexível, uma melhor gestão de riscos e promoverá compaixão e empatia.
Estas serão seguramente variáveis que podemos manipular e que podem fazer toda a diferença.
Ninguém tem a fórmula para solucionar os problemas do SNS e é até possível que essa fórmula não exista como tal, mas no entretanto podemos aceitar essa imprevisibilidade e promover a compaixão e a empatia que facilitam o diálogo e a compreensão mútua.
Dito isto, é necessário fazer qualquer coisa, ou mesmo muitas coisas, para colocar o SNS numa senda de sustentabilidade que lhe permita atrair os melhores profissionais e criar mais saúde em Portugal.
Acredito que junto com as pessoas que participam no Think Tank SNS de Contas Certas (www.SaudeSustentavel.pt), já demos um primeiro contributo no passado mês de abril no CCB e este último editorial resume bem algumas conclusões publicadas no nosso ‘relatório da primavera‘.
A minha própria experiência no SNS
Se me permitem aqui uma achega, deixem-me partilhar a minha própria experiência como cidadão e filho de uma utente do hospital de Cascais neste passado fim de semana, provavelmente um dos melhores hospitais do SNS.
Constatei que os seus principais problemas são exógenos os quais, escapando ao controlo da gestão do hospital, apenas podem ser mitigados por esta mas sempre de modo incipiente.
- Logo à chegada, observo uma enorme pressão nas urgências a qual no verão é agravada em Cascais por ser um destino turístico muito concorrido.
- A enorme escassez de recursos humanos em saúde como foi no meu caso o impacto da falta de anestesistas que levou a uma espera de 48 horas pela cirurgia.
Em tudo aquilo que dependeu da gestão do hospital, a sua organização interna, a ordem e o asseio, a atenção dos seus profissionais, senti-me como se estivesse num hospital privado e estou muito agradecido ao SNS por esta experiência.
Acredito que no caso dos restantes hospitais do SNS com gestão pública, as dificuldades internas possam ser muito maiores ao não disporem de instalações modernas e de construção recente como as do Hospital Dr José de Almeida em Cascais e por não disporem de um contrato de gestão com o Estado português (aqui o exemplar do anterior) com total autonomia.
Portanto, culpar as administrações dos hospitais do SNS pelos problemas que os seus pacientes possam ter que enfrentar será redutor e até injusto, sem antes encarar que o principal problema pelo qual padece o SNS é o de uma enorme escassez de recursos para fazer frente aos seus atuais níveis de procura.
O principal problema pelo qual padece o SNS é o de uma enorme escassez de recursos para fazer frente aos seus atuais níveis de procura.
Pegar o touro com medidas de exceção
É difícil para mim estar a colocar-me no papel de Manuel Pizarro ou mesmo António Costa, pois é evidente que os problemas que este governo enfrenta são já muitos e em diferentes frentes igualmente importantes para a vida dos portugueses.
Mas se não podemos fazer o “reset” proposto mais acima pelo Dr Nelson Pereira, seria agora o momento de aproveitar a nova Direção Executiva do SNS e decretar uma espécie de estado de emergência nacional, tal como decretado durante a pandemia, para que sejam tomadas medidas de choque com mecanismos legais de exceção e reduzir assim os atuais níveis de procura nos hospitais do SNS.
E uma dessas medidas poderia ser a de criar uma “Unidade de Missão de Cuidados Primários” (a última que pesquisei aqui foi criada em 2005) com a atribuição de reinventar e implementar fórmulas inovadoras que possam cumprir o objetivo do Primeiro Ministro e termos todas as famílias portuguesas seguidas por um “médico de familia” do SNS até ao final do ano.
Isto poderá suceder se alargarmos o conceito de “médico de familia” ao de uma “equipa de saúde familiar” na qual os profissionais de cada centro de saúde enfermeiros, auxiliares e médicos, possam organizar-se para conseguir o objetivo de assignar uma equipa a cada uma das famílias na sua área do seu Centro de Saúde e começar a partir desse momento a agir pro-ativamente na criação da sua saúde.
Recordo bem a experiência quando colaborei como consultor do Dr Mário Durval na Sub-Região de Saúde de Setúbal e graças a estas “equipas de saúde” conseguimos esse objetivo para o Centro de Saúde da Amora no Seixal todas as famílias tinham o seu médico de família atribuido e com elevados níveis de satisfação para os seus profissionais.
Sei que está a ser pensada uma fórmula de generalização das chamadas Unidades Locais de Saúde mas esse é o risco de tomar uma medida no papel que depois não surte qualquer efeito prático e nada acontece no terreno.
Tal como a Task Force da Vacinação foi eficaz no todo continental com um comando único e pela importância e urgência do problema, faz mais sentido que seja a nova Direção Executiva do SNS, ela própria, a impulsionadora desta “Task Force” para os cuidados primários. Desse modo, poderá acompanhar o seu trabalho, desbloqueando junto das tutelas relevantes Saúde, Finanças, Coesão Territorial e outras, quaisquer obstáculos para poder alcançar o seu objetivo: cada português deverá ter um médico de familia do SNS até ao final do ano.
Conclusão
A escassez de recursos em Saúde é um desafio complexo que requer esforços conjuntos para ser enfrentado com sucesso. Ao promover o diálogo, a transparência e o estabelecimento de metas comuns, é possível fomentar a confiança entre o Ministério das Finanças e os prestadores de saúde do SNS em Portugal. Confiança em que estamos a caminhar para um SNS de Contas Certas e uma saúde mais sustentável.
A transformação de processos assistenciais associada à sua gestão financeira, juntamente com o investimento em tecnologia, são estratégias importantes para enfrentar os desafios da escassez de recursos.
O envolvimento dos profissionais de saúde e a implementação de incentivos à qualidade e eficiência contribuem para uma abordagem mais equilibrada e sustentável na gestão do sistema de saúde, garantindo a prestação de cuidados de qualidade aos cidadãos portugueses.
Somente trabalhando em conjunto e com altas doses de compaixão e empatia, será possível ultrapassar os obstáculos e construir um sistema de saúde mais resiliente e eficiente para o bem de todos.