Um político estava prestes a assumir um novo cargo e o seu antecessor entregou-lhe três envelopes e disse: “Quando te encontrares numa situação difícil ou enfrentares um problema que não consigas resolver, abre os envelopes pela ordem que têm.”
Os meses passaram e o político enfrentou vários problemas difíceis e decidiu abrir o primeiro envelope. Dentro estava escrito: “Culpa o teu antecessor.”
O político seguiu o conselho e culpou o seu antecessor por todos os problemas. Isso funcionou por um tempo, mas logo se viu confrontado com ainda mais dificuldades. Então, abriu o segundo envelope. Dentro estava escrito: “Anuncia uma reestruturação.”
O político reorganizou o seu gabinete e as coisas melhoraram temporariamente. No entanto, novos problemas surgiram, e quando se viu em apuros novamente, decidiu abrir o terceiro envelope. Dentro dele estava escrito: “Prepara três envelopes.”
Esta anedota tem uma dupla leitura que pode ser válida quer para o Primeiro Ministro cessante, quer para Manuel Pizarro igualmente demissionário por inerência.
Mas, em ambos os casos, será uma leitura abonatória, pois é sabido que tiveram que governar e gerir dossiers muito difíceis sem poderem nunca culpar os seus antecessores.
Longe de mim fazer críticas gratuitas e serão historiadores competentes quem poderá um dia fazer uma crónica imparcial elencando de forma neutra todos os “mais” e os “menos” deste ciclo de governação que agora sofre uma pausa.
No âmbito do Governo da República, estarmos à frente de Espanha na cotação de crédito de país apesar da crise política que vivemos é um importante “mais”.
Também é certo que existem muitos “menos” que um novo governo socialista poderá emendar, se for essa a vontade dos portugueses, como as recentes sondagens indicam.
Acredito que nenhum destes governantes tenha tido tempo de escrever três envelopes para os seus sucessores e o próximo primeiro-ministro terá que encontrar um novo ministro da saúde, exceto que se consiga ainda um milagre antes que acabe esta legislatura.
Milagre de Fátima
E qual milagre poderia ser? Aquele que já tenho defendido no meu último editorial e que reforço aqui para quem me lê.
O melhor presente de Pai Natal que o Governo poderia deixar aos portugueses e a todos os seus profissionais de saúde seria um SNS completamente autónomo numa gestão altamente profissionalizada e imune a qualquer veleidade de qualquer que seja a sua tutela, atual e futura.
Numa palavra, fazer com que a Direção Executiva SNS, que andou na barriga da mãe por vários meses e que nasceu prematura e sem estatuto, seja hoje entregue aos portugueses já sem fraldas e capaz de caminhar pelo seu próprio pé como uma mulher adulta, qual Hilda Puga essa mulher invulgar que deu o rosto à República.
Para isso deveria ser-lhe delegada todo o poder de decisão do SNS e que seja o próprio CEO do SNS a chegar a acordos contratuais com os sindicatos dos profissionais de saúde, dispondo do orçamento geral do Estado que já foi aprovado para 2024.
In Redefenindo a Gestão no SNS https://www.saudesustentavel.pt/duas-visoes-para-o-sistema-de-saude-em-portugal
E já com o próximo parlamento eleito, porque não poderá ser a Direção Executiva do SNS a propor um acordo de regime com todos os principais partidos políticos em relação a um SNS autónomo e com gestão profissional independente e que lhe confira a possibilidade de contratar e pagar aos seus profissionais em condições mais atrativas?
Três mil e duzentos milhões de euros foi quanto o Governo injetou na TAP, em nome do superior interesse nacional e que agora dá lucros, por que não poderão os portugueses fazer um igual sacrifício para poder ter o SNS que merecem e obter maiores ganhos em retorno para a sua saúde?
E se hoje não for por falta de dinheiro que o SNS tem uma melhor gestão, como alguns observam, então devem ser as próprias Unidades Locais de Saúde a poder contratar e pagar fora do espartilho da função pública, tal como qualquer empresa o pode fazer.
E se o Ministério das Finanças não quer correr riscos financeiros com as atuais EPE, por que não recuperar a fórmula dos Hospitais SA, que foi abruptamente descontinuada quando José Sócrates chegou ao poder, sem esperar por avaliações que não evidenciaram quaisquer razões para não os ter mantido?
Certamente, os desafios que enfrentamos atualmente nos hospitais do SNS seriam substancialmente diferentes se tivessem mantido uma autonomia total de gestão, como era o caso dos hospitais SA.
Torna-se absolutamente essencial desvincular o SNS de qualquer outra intervenção por parte da tutela, exceto no que diz respeito à definição de objetivos e à alocação de um orçamento, permitindo que uma gestão autónoma e independente, isenta de qualquer ideologia política, seja responsável pelos resultados que apresentar perante toda a população portuguesa.