“Terá Portugal a capacidade para sustentar um SNS que financia tratamentos milionários e salva vidas a crianças como estas gémeas várias vezes por ano, todos os anos?”
Paulo Nunes de Abreu, Blogger, Co-Fundador Digital Health Portugal
O ano de 2023 em Portugal ficou marcado por eventos de tal envergadura que eclipsaram outros acontecimentos mediáticos, destacando-se num cenário global marcado por uma guerra híbrida multifacetada.
A leitura do Expresso deste fim de semana realça dois eventos em particular: a queda da Farfetch e o tratamento especializado recebido pelas gémeas luso-brasileiras no Serviço Nacional de Saúde (SNS). Estes não são meros incidentes isolados, mas sim reflexos de como a saúde está intrinsecamente ligada ao contexto socioeconómico do país, demonstrando a influência direta da economia na qualidade e no acesso aos cuidados de saúde.
É amplamente reconhecido que a economia tem um papel preponderante na saúde das pessoas e das suas comunidades, afetando não só o acesso aos cuidados de saúde, mas também as escolhas pessoais (mais ou menos saudáveis) e o financiamento do setor. A queda da Farfetch, a primeira Unicórnio portuguesa, levantou questões críticas sobre o desenvolvimento económico de Portugal, impactando o mercado de trabalho e as receitas fiscais, que são fundamentais para o financiamento do nosso Serviço Nacional de Saúde, exclusivamente dependente do Orçamento do Estado. Considerando os lucros significativos desta empresa, que chegou a reportar 691 milhões de euros antes de impostos em 2021, esta situação sublinha a fragilidade da nossa economia e a sua relação com o financiamento do próprio Estado, do qual depende o orçamento do SNS.
Por outro lado, o caso das gémeas no SNS ressalta as disparidades no acesso a tratamentos de saúde de ponta e custo elevado. Num momento em que o SNS enfrenta uma crise de sustentabilidade, notícias sobre tratamentos no valor de vários milhões de euros, acessíveis apenas a alguns, levantam questões de equidade e justiça social.
Esta situação impõe a urgente necessidade de reformular as políticas de saúde para assegurar um acesso mais equitativo e universal, mesmo a tratamentos complexos e dispendiosos.
Terá Portugal a capacidade para sustentar um SNS que financia tratamentos milionários e salva vidas a crianças como estas gémeas várias vezes por ano, todos os anos?
Mais além da espuma mediática que foi gerada, este episódio deveria levar-nos a refletir sobre a nossa riqueza enquanto nação e sobre o que é necessário para alcançar um patamar económico que permita oferecer estes cuidados a todas as crianças, sem dependência de influências ou ‘cunhas’.
Enfrentando uma das crises mais severas de que há memória, Portugal tem perante si o desafio de fortalecer o seu SNS, garantindo cuidados de saúde de qualidade e tendencialmente gratuitos a todos os cidadãos, independentemente da sua situação socioeconómica. Para isso, precisamos de uma economia mais robusta, com muitas mais empresas ao nível da Farfetch a contribuir com impostos no país. A queda de uma empresa não deveria ser uma notícia alarmante, mas um mero reflexo de uma economia dinâmica e em forte crescimento.
A economia de um país e o nível de rendimento individual são fatores cruciais para a saúde das pessoas. A garantia de um acesso equitativo e de qualidade aos cuidados de saúde, independentemente das flutuações económicas e das condições socioeconómicas de cada um, deve ser uma prioridade nas políticas de saúde. Este desafio requer um esforço coletivo e uma reflexão profunda sobre como estruturar um sistema de saúde que seja resiliente, inclusivo e capaz de atender às necessidades de todos os cidadãos.
Creditos imagem
Photo by Ibrahim Boran on Unsplash