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E se o SNS aprendesse com o próprio SNS?

Por Paulo Nunes de Abreu, co-fundador Digital Health Portugal e Fórum Hospital do Futuro

Nesta passada 4a feira, tive uma vez mais a honra de participar por parte do Fórum Hospital do Futuro (agora como entidade registada na ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social) no evento MEDIA TALK: Orçamento do Estado 2025 – Análise para o Setor da Saúde, promovido pelo Nova SBE Health Economics & Management Knowledge Center (NHEM), no Campus de Carcavelos da Nova SBE.

Com uma apresentação detalhada e esclarecedora de Pedro Pita Barros e Carolina Borges da Cunha Santos especialistas em Economia da Saúde da Nova SBE, este encontro proporcionou uma análise aprofundada sobre as propostas do Orçamento de Estado para a área da saúde em 2025. A discussão, seguindo os princípios da Chatham House Rule, fomentou um diálogo aberto e inclusivo com os jornalistas e assessores de imprensa presentes.

Em tempos de análises orçamentais e debates sobre o futuro do Serviço Nacional de Saúde (SNS), parece inevitável confrontarmo-nos com uma pergunta que não é nova, mas que continua a pairar no ar: será que o SNS, enquanto organização, tem a capacidade de aprender com os próprios erros? Ou, ainda mais importante, com os seus sucessos?

Já o dissemos noutras ocasiões nesta mesma coluna e com apesar do passar dos anos, mesmo com distintos governos, os problemas persistem. A pressão assistencial aumenta e continua a haver pessoas que morrem enquanto esperam para ser atendidas, uma tempestade perfeita.

Podemos e devemos dar o beneficio da dúvida a este novo ciclo político com um governo AD, mas é preocupante ver como a atual configuração parlamentar impede a tomada de medidas de fundo que são urgentes e necessárias, mortas à partida sem um amplo consenso político que seria necessário e que é altamente improvável.

A saúde em Portugal parece presa num ciclo interminável onde se lançam políticas sem métrica, estratégias sem responsabilidade e orçamentos sem clareza de execução. Todos os anos, os números crescem, as despesas com pessoal aumentam, mas os resultados, a produtividade e a eficiência caem. Este cenário repetitivo deveria inquietar-nos profundamente. Não apenas pelos números, mas pela aparente incapacidade de aprendizagem organizacional do SNS como um todo.

vil metal e os desafios da gestão

Os números do Orçamento do Estado para 2025 trazem, como sempre, mais um reforço assinalável das verbas para a saúde. Mais dinheiro para infraestruturas, mais dinheiro para recursos humanos, mais dinheiro para tecnologias. Mas pergunto-me: mais dinheiro para quê, exatamente?

Entre 2015 e 2023, a execução da despesa com pessoal tem vindo a crescer, mas, paralelamente, a produtividade do SNS caiu de forma dramática. Isto não é apenas um problema de dinheiro; é um problema de gestão, planeamento e visão estratégica. Investir mais sem assegurar que há mecanismos robustos para gerir recursos de forma eficiente é como colocar água num balde cheio de buracos. Quem é responsável por esses buracos? A ausência de respostas concretas, ano após ano, demonstra a falha de um sistema que parece incapaz de aprender e, por isso, incapaz de melhorar.

As ilhas de produtividade: há esperança?

Sabemos que existem exemplos de excelência dentro do SNS – as chamadas “ilhas de alta produtividade”. Equipas e unidades que, mesmo com recursos limitados, conseguem resultados notáveis. Estas ilhas deveriam ser modelos de inspiração, não exceções. Mas, em vez de contagiar o resto do sistema, permanecem isoladas, como se o sucesso fosse um mero acaso, em vez de uma prática replicável.

Assim como a implementação generalizada das ULS em todo o SNS, a criação dos Centros de Responsabilidade Integrados (CRI) é frequentemente apresentada como uma solução milagrosa para resolver todos os problemas. No entanto, tentar promover mudanças apenas por decreto é ineficaz e pode até ser contraproducente, gerando efeitos adversos inesperados e agravando desafios existentes.

Mas existem alternativas para fazer acontecer a mudança com sucesso.

Porque não são criados espaços de diálogo e partilha, onde estas “ilhas de excelência no SNS” possam inspirar e ensinar outras unidades? Por que não temos um sistema que possa premiar e escalar tudo aquilo que realmente funciona? A resposta é simples: falta uma estratégia no SNS para aprender, para ajustar e para crescer.

O problema maior: a ausência de responsabilização

Fala-se muito em “responsabilidade” no SNS, mas quase sempre num tom abstracto. No entanto, a verdade é que a falta de responsabilização é a raiz do problema. Quem é, afinal, o responsável por garantir que o SNS funcione como uma máquina coordenada e eficiente? O seu diretor executivo ou serão os responsáveis políticos que o tutelam? Os órgãos da administração central como a ACSS ou as recém-criadas ULS? Talvez seja um pouco de tudo isto – e talvez seja esta difusão de responsabilidade que mantém o SNS preso no mesmo ciclo.

As políticas são frequentemente anunciadas com pompa e circunstância, mas raramente acompanhadas de planos concretos de monitorização e avaliação. A gestão da mudança é frequentemente deixada à deriva, e as decisões continuam a ser tomadas com base no improviso para responder a urgências imediatas, em vez de serem fundamentadas em evidências robustas e orientadas para objetivos sustentáveis a médio e longo prazo.

Um desafio para hoje (e já não para o futuro)

Se há algo que o Orçamento do Estado para 2025 deveria provocar, é uma reflexão séria sobre o que significa, realmente, “melhorar o SNS”. Não basta reforçar salários, contratar mais profissionais ou investir em novas infraestruturas. É preciso garantir que cada euro gasto traz um retorno medido em qualidade, acesso e resultados de saúde.

O SNS tem de aprender a aprender. E essa aprendizagem passa por assumir que a produtividade não é inimiga da humanização, mas sim uma aliada indispensável. Não há sustentabilidade sem eficiência, e não há eficiência sem gestão qualificada, estratégias claras e, sobretudo, responsabilidade.

O desafio está lançado: mais além de um orçamento reforçado em 2025, é imperativo que o SNS pare de funcionar como uma soma de partes desconexas e comece a agir como um organismo integrado, capaz de reconhecer as suas forças, corrigir as suas fraquezas e, finalmente, aprender consigo mesmo. Porque, no fundo, é o que os cidadãos esperam. E merecem.

Referências adicionais

Ao longo dos últimos anos, o Fórum Hospital do Futuro tem sido um espaço de reflexão crítica e construtiva sobre os desafios do Serviço Nacional de Saúde e do setor da saúde em Portugal. No editorial deste mês, “E se o SNS aprendesse com o próprio SNS?”, revisitamos um tema que já tem sido abordados em editoriais anteriores, que exploraram diversas dimensões da transformação necessária para o SNS.

Aqui está uma seleção de alguns dos nossos artigos que contribuem para este debate:

  1. Outubro 2018: Apostar na Inovação em Saúde
    URL: https://www.hospitaldofuturo.today/editorial-apostar-na-inovacao-em-saude/
  2. Agosto 2019: E se nos deixarmos de tretas?
    URL: https://www.hospitaldofuturo.today/editorial-e-se-nos-deixarmos-de-tretas/
  3. Julho 2021: O Vil Metal
    URL: https://www.hospitaldofuturo.today/o-vil-metal/
  4. Março 2022: Alice no País da Saúde Maravilhosa
    URL: https://www.hospitaldofuturo.today/editorial-alice-no-pais-da-saude-maravilhosa/
  5. Junho 2022: Um OE para a Saúde Corajoso
    URL: https://www.hospitaldofuturo.today/editorial-um-oe-para-a-saude-corajoso/
  6. Março 2023: É o Dinheiro, Estúpido!
    URL: https://www.hospitaldofuturo.today/e-o-dinheiro-estupido/
  7. Junho 2023: Rumo à Sustentabilidade Financeira do SNS
    URL: https://www.hospitaldofuturo.today/rumo-a-sustentabilidade-financeira-do-sns/

Ao revisitar estas reflexões passadas, encontramos pontos de contacto e lições valiosas para o presente. Afinal, é só através de um debate informado e contínuo que poderemos construir um SNS preparado para os desafios do futuro.

Boa leitura e, como sempre, partilhe connosco as suas ideias e comentários no LinkedIn. ✍️

Últimos Editoriais


Crédito da imagem de topo: Photo by Startaê Team on Unsplash, restantes imagens geradas por ChatGPT 4.0 OpenAI. (2024). ChatGPT [Large language model]. https://chatgpt.com

Próximo Plenário do Think Tank SNS de Contas Certas

Com um governo de minoria, o SNS enfrenta desafios que só podem ser superados através de consenso. A inovação tecnológica, especialmente a saúde digital, oferece respostas essenciais, mas sem um alinhamento efetivo entre as diferentes esferas de governação, essas soluções de elevado potencial terão um impacto limitado.

O IV Plenário do Think Tank SNS de Contas Certas, que se realiza nos dias 3 e 4 de abril na Fundação Calouste Gulbenkian, terá um papel crucial ao reunir especialistas e decisores para discutir o alinhamento entre políticas nacionais e competências locais. A capacidade de gerar consensos em torno de soluções inovadoras será essencial para que o SNS possa enfrentar desafios futuros com resiliência, promovendo equidade e eficiência.

Os municípios desempenham um papel fundamental neste novo quadro, uma vez que, através das Unidades Locais de Saúde (ULS), podem adaptar políticas às realidades locais e integrar cuidados primários, hospitalares e continuados. Contudo, ainda há lacunas na coordenação estratégica entre as ULS e os municípios. Falta um diálogo mais formalizado e estruturas de comunicação mais eficazes para que os municípios possam influenciar decisões de forma ativa, promovendo uma colaboração mais próxima.

Do IV Plenário poderão emergir importantes pontos de ação:

  1. Fortalecimento da coordenação interinstitucional, com estratégias para melhorar o diálogo entre ULS e municípios.
  2. Descentralização, permitindo maior transferência de competências para os municípios e uma resposta mais ajustada às necessidades locais.
  3. Inovação na governança, com a promoção de abordagens que incentivem a participação cidadã e a transparência.
  4. Modelos de financiamento sustentáveis, para garantir o uso eficiente dos recursos e a sustentabilidade financeira do SNS.
  5. Capacitação local, fortalecendo a capacidade técnica dos municípios para participar na gestão das ULS de forma eficaz.

O futuro da saúde em Portugal depende da capacidade de integrar inovação e consenso político. Este IV Plenário do Think Tank SNS de Contas Certas representa uma oportunidade única para debater estas questões e definir diretrizes que poderão transformar o SNS, adaptando-o às necessidades locais e garantindo a sua sustentabilidade a longo prazo.

Agora, mais do que nunca, precisamos de todos aqueles que acreditam numa saúde sustentável e num SNS de contas certas. Junte-se a nós nesta jornada. O seu contributo é essencial para criar um sistema de saúde mais justo e eficiente.

By | 2024-12-01T20:11:27+01:00 Novembro 29th, 2024|Categories: EDITORIAL|Tags: , , , , , , |Comentários fechados em E se o SNS aprendesse com o próprio SNS?

About the Author:

Uma Trajetória de Sucesso em Colaboração, Inovação e Empreendedorismo Social --> Formação Acadêmica e Experiência Docente: Formado em Psicologia Social e das Organizações pelo ISPA, Paulo Nunes de Abreu possui um mestrado em Gestão de Informação pela Universidade de Sheffield e um doutoramento em Ciências da Gestão pela Universidade de Lancaster. Entre 1996 e 2000, foi docente no Instituto Superior de Psicologia Aplicada e na ISEG (Escola de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa). Experiência profissional como Consultor: Bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian, Paulo Nunes de Abreu concluiu o seu doutoramento em 2000. Desde então, acumulou vasta experiência como consultor, colaborando com o Governo Regional da Madeira (Direção Regional de Saúde) e participando em diversos projetos de consultoria e investigação com instituições de renome como o ISEG, INETI, Câmara Municipal de Évora, EDP, Ministério da Saúde de Portugal, Eureko BV, Observatório Europeu da Droga e PWC em Espanha. Especializações e Contribuições Relevantes: Certificado como facilitador profissional pela IAF (International Association of Facilitators), Paulo Nunes de Abreu teve um papel crucial na criação das Cimeiras Ibéricas de Líderes de Saúde em Espanha e foi co-fundador do Fórum do Hospital do Futuro em Portugal. Especializado em GDSS (sistemas de apoio à decisão em grupo), projetou intervenções para otimizar processos de mudança e inovação nos setores de saúde e educação. Atuação Atual e Abordagem Profissional: Desde 2021, Paulo é co-fundador da Debate Exímio Lda, uma spin-off do col.lab | collaboration laboratory Ltd., empresa sediada em Londres e editora da série de livros "Arquitetar a Colaboração", que aborda princípios, métodos e técnicas de facilitação de grupos. A sua trajetória, combinada com a experiência como residente em vários países e atualmente em Portugal, moldou uma abordagem profissional focada em colaboração, inovação e empreendedorismo social.