Em muitos âmbitos da Saúde existe uma certa necessidade de fomentar guerras entre as posições antagónicas quando se trata de inovação. Para não sair do âmbito da redução de risco, quem não se recorda das polémicas em torno da metadona, um narcótico que se emprega em diversas abordagens terapêuticas mas, principalmente, no tratamento da toxicodependência da heroína.
Esse debate é hoje tão antigo quanto fora de lugar, pois graças à criação e subsequente implementação de uma estratégia nacional de combate à toxicodependência, Portugal é hoje um reconhecido caso de sucesso mundial nesta matéria.
Realizam-se em Portugal os mais prestigiados eventos na matéria, como sejam o Lisbon Addictions que, nos próximos dias 23 a 25 de Outubro, reúne a sua 3ª edição e, esta mesma semana, o Harm Reduction (HR19) organizado pela APDES e que demonstra bem a liderança deste país neste domínio.
Mas no início, reinava a desconfiança. Como agora ocorre quando as companhias produtoras de tabaco introduzem inovação para reduzir o risco associado ao consumo da nicotina, outra substancia aditiva. E o exemplo mais gritante é a tomada de posição de um conjunto de sociedades médicas portuguesas contra os produtos de tabaco aquecido, sobre a qual escrevi no mês passado.
Hoje existe um amplo consenso na sociedade que o tabaco, tal como o álcool e outras substâncias insuspeitas, como o açúcar, fazem mal à saúde. Todos intuímos que tudo o que não seja inalar o fumo de combustão do tabaco fará menos mal à saúde, quer para o fumador quer para quem está ao seu redor. O cigarro de combustão, como um produto comercial, está a chegar ao fim do seu ciclo de vida.
Água mole em pedra dura, tanto dá até que fura. Este é um conhecido ditado popular que podemos usar para ilustrar a realidade. De tanto lutar contra o consumo do cigarro e os seus malefícios ao longo dos últimos anos, a OMS criou as condições para um mundo livre de fumo no século XXI. E essa inapelável vitória está na origem de uma mudança de paradigma por parte dos fabricantes de produtos de tabaco. Hoje em dia, essas companhias reinventaram o cigarro de combustão e oferecem outros produtos de base tecnológica que permitem o consumo de nicotina por parte dos seus clientes com menos risco para a sua saúde.
A obsolescência do cigarro é fruto do esforço global de Saúde Pública liderado pela OMS e não pela vontade dos fumadores. De tal forma que hoje em dia, são as próprias empresas produtoras de tabaco que avisam os seus clientes que existem novas formas de consumir nicotina com menos risco para a saúde.
Mas será que o consumo mundial do tabaco irá acabar? Apesar de existir um veto integral à publicidade do tabaco, apesar de nas embalagens dos seus produtos estarem as mais angustiantes imagens dos danos que o fumo provoca à saúde, apesar da total proibição de fumar em recintos públicos e, nalguns países, até na via pública, o consumo do tabaco não cresce mas também não diminui e, em especial nas mulheres, até tem vindo a aumentar.
Mas quais são os países do mundo onde mais decresce o consumo do tabaco? Curiosamente, um desses país é o Japão e é precisamente um dos poucos países do mundo onde os produtos de tabaco aquecido têm vindo a ser adotado em maior escala pela sua população.
Como esta frase atribuida a Albert Einstein elucida, “loucura é esperar novos resultados continuando a fazer sempre o mesmo” e, poderíamos acrescentar, não aproveitar a inovação para melhorar objetivos em Saúde e salvar vidas. Tal como no caso da metadona, os novos produtos de consumo de nicotina podem trazer importantes ganhos para a saúde das pessoas. Seria importante conseguirmos o sossego necessário para que este diálogo sobre a cessação tabágica e a diminuição de riscos em saúde possa ocorrer.
Esta semana a APDES promove um conjunto de almoços-debate no Palácio da Bolsa do Porto, www.apdes.pt e no próximo dia 8 de Maio em Lisboa poderá participar no primeiro debate Portugal sem Fumo.
Crédito imagem: Monasterio de Piedra