Autora: Ana Matias, a terapeuta ocupacional do centro dedicado às doenças neurológicas NeuroSer
De que forma é que um AVC pode afetar a vida ocupacional da pessoa?
Um Acidente Vascular Cerebral (AVC) ocorre de forma súbita e tem uma recuperação com duração significativa, que dependendo de caso para caso deixará sequelas ao longo da vida do utente. Ou seja, não é uma patologia na qual a pessoa vai perdendo gradualmente as suas competências, trata-se sim de uma rutura abrupta, que provoca um momento emocionalmente delicado de perda de papéis ocupacionais.
Com a ocorrência de um AVC, a pessoa irá enfrentar a perda de competências cognitivas e/ou físicas, bem como uma alteração no seu estado emocional. Estas alterações poderão provocar dificuldades no trabalho, na gestão das finanças, nas atividades domésticas, nos cuidados pessoais, nas atividades de lazer, entre outros.
Assim sendo, uma pessoa que antes do AVC era completamente autónoma, poderá ver-se afastada das suas ocupações mais significativas; perder as suas anteriores responsabilidades, o que poderá provocar um sentimento de frustração; e depender de um cuidador.
Como é que estas alterações cognitivas e físicas podem influenciar o envolvimento em ocupações?
Antes de mais é importante compreender que o envolvimento em ocupações não depende apenas da pessoa, depende também das exigências da ocupação em si e do ambiente no qual esta se desenvolve. Quando fazemos algo, ocorre sempre a interação do que somos (pessoa), do que a tarefa exige (ocupação) e do que o ambiente proporciona (ambiente).
Por exemplo, cozinhar não depende apenas das competências cognitivas (como funções executivas e memória) e competências físicas (como força e coordenação), depende também do que a ocupação exige (neste caso, conseguir planear os ingredientes e utensílios; conseguir distinguir os vegetais; conseguir cortar frutas; reconhecer quando os alimentos estão cozinhados; entre outros) e do ambiente (neste caso, a altura da bancada da cozinha, o ruído na divisão; o apoio de um ajudante; entre outros).
Todos estes aspetos podem atuar como agentes facilitadores ou limitadores, sendo essencial que um Terapeuta Ocupacional identifique cada um deles e os adeque às necessidades da pessoa, facilitando assim o seu envolvimento ocupacional. Trata-se de equilibrar a balança pessoa-ocupação-ambiente, colocando mais ênfase num aspeto e retirando a outro.
O que é que pode ser feito para promover a ocupação após AVC?
Uma vez identificados os agentes facilitadores e limitadores, devemos aproveitar os facilitadores ao máximo e tentar encontrar estratégias para superar os limitadores.
Utilizando ainda o exemplo da cozinha: se compreendemos que a pessoa tem facilidade em memorizar os passos, podemos sugerir uma receita mais elaborada. Isto irá fazer com que a pessoa se sinta desafiada e mais realizada ao alcançar o sucesso. Já no caso de nos apercebermos que a pessoa não consegue cortar os legumes por défices ao nível da força muscular, podemos sugerir a utilização de um produto de apoio (faca adaptada e/ou tábua de corte adaptada) que facilite a tarefa. Esta é uma forma de aproveitar uma facilidade para aumentar a motivação para a ocupação e de eliminar uma dificuldade, utilizando produtos de apoio. Existem diversas graduações e adaptações que devem ser utilizadas de acordo com cada caso.
Será realmente importante promover a participação ocupacional da pessoa após AVC?
Os Seres Humanos são definidos por aquilo que fazem ao longo do seu dia e ao longo das suas vidas, por isso é que existe a ideia de que nós somos aquilo que fazemos. Eu posso ser uma professora, uma dona de casa ou uma mãe. Essas responsabilidades, esses papéis ocupacionais definem quem eu sou. É portanto crucial que qualquer pessoa (com ou sem sequelas de AVC) se envolva em ocupações que preenchem as suas necessidades e os seus desejos.
Sabe-se que o envolvimento em ocupações é essencial para a qualidade de vida e saúde de qualquer pessoa e que contribui de forma significativa para a forma como a própria e outros a veem na sociedade.