* Por Rima Farah
Não é de hoje que instituições e profissionais da área de saúde dedicam-se à segurança do cuidado ao paciente buscando minimizar possíveis erros. Marco desse processo, o documento “Errar é humano: construindo um sistema de saúde mais seguro“, lançado em 1999 pelo Instituto de Medicina (IOM, em inglês), já constatava a morte anual de milhares de pacientes nos hospitais norte-americanos por causa de danos causados durante a prestação dos cuidados.
Embora o levantamento correspondesse à realidade local, o fato é global. Tanto que governos, instituições e organizações, como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Instituto Ibero-Americano de Eventos Adversos, entraram nessa luta pela segurança e qualidade em saúde.
De acordo com a OMS, a segurança do paciente corresponde à redução, ao mínimo aceitável do risco, de dano desnecessário associado ao cuidado de saúde. O grau de complexidade que o cuidado de saúde atualmente apresenta, com novas tecnologias, novos tratamentos e medicamentos de alta vigilância, exige que sejam desenvolvidas e implementadas estratégias para a segurança do paciente em serviços de saúde.
É fundamental que as instituições implementem uma cultura de segurança baseada em liderança, trabalho de equipe, comunicação, capacidade de aprender com os erros, justiça (reconhecendo os erros como falhas no sistema, ao invés de falhas individuais e, ao mesmo tempo, não coibindo de responsabilizar os indivíduos por suas ações), cuidado centrado no paciente e prática baseada em evidência. Entre os desafios globais lançados pela OMS e pela Joint Commission International (JCI) estão as Metas Internacionais de Segurança do Paciente, também destacadas na 6ª edição do manual de Padrões de Acreditação da Joint Commission International (JCI) para Hospitais.
A Meta 4, especificamente, propõe o compromisso de garantir cirurgia segura, tendo em vista que a cirurgia é um componente essencial dos cuidados de saúde em todo o mundo, tendo alcançado um alto índice de complexidade pela incorporação de novas tecnologias, como a microcirurgia e a robotização, movidas através de meios menos invasivos como a artroscopia e a padronização de procedimentos cirúrgicos, baseados em evidências apresentadas por pesquisa e nos princípios da segurança e da qualidade. No passado, para se realizar uma cirurgia ou procedimento invasivo seguro, o foco considerava principalmente fatores de risco da doença e o desempenho do médico (conhecimento, destreza e precisão técnica individual). Atualmente, sabe-se que o resultado da cirurgia e do procedimento invasivo está condicionado à qualidade do cuidado recebido na instituição e ao desempenho da equipe multiprofissional de saúde, sob influência do ambiente em que trabalham.
Eventos adversos como ocorrência de cirurgias em sítio errado, complicações anestésicas, corpo estranho deixado no corpo do paciente durante o procedimento, deiscência de ferida operatória, desordem fisiológica e metabólica pós-operatória, reações adversas a drogas ou alérgicas sabidamente de risco para o paciente, embolia pulmonar ou trombose venosa profunda no pós-operatório, falência respiratória pós-operatória, hemorragia ou hematoma pós-operatório, infecção de ferida pós-operatória, óbitos de pacientes cirúrgicos com graves complicações tratáveis, pacientes com eventos adversos devidos a procedimentos cirúrgicos, sepse pós-operatória, além de indicadores relacionados a eventos obstétricos devem ser monitoradas e reduzidas. A lista de verificação cirúrgica e outras ferramentas foram introduzidas como estratégia para reduzir os eventos adversos em cirurgia, tornando-a mais segura. Mesmo assim, estatísticas mais recentes indicam que a taxa de complicações evitáveis em cirurgia permanece insistentemente alta.
Frente a este preocupante cenário, o Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC) e o Consórcio Brasileiro de Acreditação (CBA) desenvolveram um modelo de certificação com o objetivo de assegurar a eficiência nos procedimentos cirúrgicos dos hospitais brasileiros e dar mais assertividade a esses métodos. A Certificação em Segurança e Qualidade em Cirurgia Segura e Procedimentos Invasivos tem como principais objetivos enfatizar a importância da cultura da segurança e do comportamento seguro no processo cirúrgico, garantindo o cumprimento de técnicas seguras em todas as etapas que envolvam o escopo de uma cirurgia; aprimorar a educação dos profissionais; melhorar o gerenciamento do risco e fortalecer a confiança da comunidade na instituição de saúde.
* Rima Farah é enfermeira, com formação em Psicologia (IBMR-RJ), especialização em administração hospitalar pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e mestre em Avaliação de Sistemas, Programas e Instituições pela Fundação Cesgranrio. Atualmente, atua como educadora para a melhoria da qualidade e segurança assistencial em instituições de saúde no Consórcio Brasileiro de Acreditação (CBA), parceiro associado da Joint Commission International, no Brasil. É ainda supervisora de projetos da Coordenação de Educação do CBA.