A Fundação “la Caixa”, em colaboração com o BPI, e a Nova SBE, lançam o Relatório “Acesso a cuidados de saúde – As escolhas dos cidadãos 2020”, elaborado pelo Professor Pedro Pita Barros, a quem foi atribuída a Cátedra BPI | Fundação “la Caixa” de Economia da Saúde, no âmbito da Iniciativa para a Equidade Social, programa plurianual celebrado entre estas Instituições. O relatório agora apresentado visa traçar um retrato do acesso a cuidados de saúde por parte da população portuguesa.
O acesso adequado a cuidados de saúde, em tempo útil, por parte da população que deles tem necessidade é um dos objetivos centrais dos sistemas de saúde e está expresso quer na Constituição, quer na Lei de Bases da Saúde. Contudo, sabe-se pouco sobre o cidadão e as suas decisões de quando e como contactar o sistema de saúde quando se sente doente, antes de iniciar o seu percurso dentro do sistema de saúde público ou privado. Compreender o que fazem quando se sentem doentes é essencial para avaliar em que medida o acesso efetivo a cuidados de saúde em Portugal dá, ou não, expressão prática aos preceitos constitucionais. O documento agora apresentado permite também conhecer mais sobre o que não passa pelo sistema de saúde e o que não está registado no Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Nas conclusões constata-se que, apesar de existirem desigualdades socioeconómicas na doença, o acesso ao sistema de saúde é similar para toda a população, tendo a decisão de primeiro contacto poucas barreiras de acesso. Sublinha-se, aliás, a perceção dos entrevistados é de que o acesso ao sistema de saúde melhorou, em geral, de 2015 até 2020.
De acordo com a informação recolhida, não houve uma “fuga” do SNS para o sector privado, mas sim uma reconfiguração dentro de cada sector nos últimos anos. Na decisão de primeiro contacto com o sistema de saúde, o SNS é a escolha maioritária em todos os grupos socioeconómicos. A opção pelo privado está concentrada nas classes socioeconómicas mais elevadas. Em 2020, a “fuga” foi das urgências hospitalares, públicas e privadas, para outro ponto de contacto dentro do mesmo sector. A proporção de pessoas que referiu a urgência hospitalar como primeiro ponto de contacto com o sistema de saúde caiu de 41,1% em 2019 para 32,2% em 2020 no sector público, e de 5% para 2,1% no sector privado.
Entre as principais dificuldades financeiras de acesso identificadas pelos inquiridos encontram-se os custos de medicamentos. Ainda assim, houve melhorias substanciais nos últimos anos. A proporção de pessoas que deixou de comprar os medicamentos que necessitava, pelo menos uma vez num ano, passou de 10,7% para 5,4% entre 2017 e 2020. Contudo, há desigualdades socioeconómicas relevantes: esta proporção foi de 2% nos dois anos para a classe socioeconómica mais elevada e passou de 11% para 15% na classe socioeconómica mais baixa. Evolução similar, embora com valores mais baixos, surgiu na medida “deixar de ir a uma consulta ou exame por falta de dinheiro”, com um crescimento de 7% em 2017 para 10% em 2019, na classe socioeconómica mais baixa. O valor médio esconde evoluções desiguais. A principal despesa de quem vai ao Serviço Nacional de Saúde com um episódio de doença inesperado está na comparticipação dos medicamentos prescritos.
Outro dos pontos percecionados é a predominância da automedicação. Cerca de 10% dos inquiridos, quando se sentem doentes, optam por não contactar o sistema de saúde, e destes, 63% escolheram automedicar-se.
Em 2020, há duas novas “barreiras de acesso” identificadas: o receio de ir ao sistema de saúde por causa da COVID-19, referida por 15% das pessoas, e o cancelamento de um agendamento por iniciativa do prestador, referido por 20% dos entrevistados. Os mais idosos e as classes socioeconómicas mais baixas indicaram maior receio. Os cancelamentos por iniciativa do prestador afetaram igualmente todas as classes socioeconómicas. Os mais idosos, tendo mais consultas marcadas, foram também mais afetados. Apesar do receio que se gerou, continua a existir confiança nos serviços de saúde, sendo que os que mais se isolaram durante a pandemia não têm mais receio de ir ao sistema de saúde.
Três em cada quatro pessoas sente que foi tratada com dignidade, compaixão e respeito no sistema de saúde. Apesar de um valor global de 76,6%, em 2020, de pessoas que referiram terem sido bem tratadas, há diferenças associadas ao nível de escolaridade: de 80% das pessoas com ensino básico para 72% para quem alcançou o ensino superior. Estes valores são mais baixos do que noutros países. Avaliações similares em Inglaterra apresentam valores acima de 80% e perto de 90% para serviços de saúde específicos.
Os dados do Relatório “Acesso aos cuidados de saúde – As escolhas dos cidadãos 2020” foram recolhidos pela empresa GfK, entre os dias 23 de Maio e 30 de Junho de 2020, através de inquérito elaborado pela equipa de investigação do Nova SBE Health Economics and Management Knowledge Centre, tendo como universo indivíduos com 15 ou mais anos de idade, residentes em Portugal Continental, numa amostra representativa constituída por 1271 entrevistas.