Na minha atividade de consultor organizacional, quando atuo como Facilitador Profissional Certificado ou CPF (sigla em inglês) o meu principal compromisso com um grupo é o de fazer com que este possa dar o máximo de si, sem deixar nenhuma sinergia por aproveitar, sem perder nenhuma oportunidade de conseguir ser mais produtivo, em suma, conseguir espremer e tirar todo o sumo possível da laranja. A pergunta e desafio que eu lanço é “estará este grupo a fazer tudo o que pode fazer este grupo?” As pessoas no final saem exaustas da reunião mas agradecidas. Frequentemente oiço comentários como “nunca pensei que se pudesse trabalhar assim de uma forma tão criativa e produtiva”.
Mas se pegarmos neste exemplo para estabelecer um paralelismo com aquilo que se passa num País, como poderá ser o caso de Portugal, e perguntar “está o País a fazer tudo o que pode para combater esta pandemia?” Acredito que as respostas pudessem variar e certamente poderíamos ouvir por parte de alguns um rotundo ‘não’.
Não vale a pena perguntar de quem é a culpa, pois todos sabemos que esta morre solteira. Um país é uma realidade tão abstrata que o dizer que está mal ou está bem acaba por ser como a história do copo, meio cheio ou meio vazio, que varia segundo a perspectiva dos convidados ou dos donos da casa, do governo ou da oposição.
Para poder responsabilizar alguém pelo estado meio cheio ou vazio do copo temos que descer à realidade concreta. Vejamos o caso dos Municípios portugueses, por exemplo. Este mês de Junho, tive o privilégio de estar reunido com vários autarcas portugueses no âmbito do Health Data Forum do qual sou o iniciador e facilitador. Observámos após estas reuniões, vídeo transmitidas em direto, que as respostas dos municípios a esta pandemia são reconhecidas pela maioria dos seus munícipes como um copo mais que meio cheio, elogiando publicamente o trabalho que tem sido feito.
Qual a fórmula de sucesso? A assumpção de vulnerabilidades, a mobilização de todos os recursos, a partilha de informação e o trabalho colaborativo. E aquilo que se consegue ao nível de uma autarquia não se poderá conseguir para todo um país? Claro que sim! Desde que seja aplicada a mesma fórmula.
Na minha geração e anteriores, os nossos antepassados educaram-nos para uma época em que primava a ordem e a previsibilidade, onde um governo decide e os cidadãos obedecem, e um governante que se preza não comete erros, não se engana nunca e é esperado que dê todas as respostas a tudo. Recordam-se desta narrativa?
Hoje em dia, a ação de um Estado de sucesso é mais próxima daquela que foi seguida por Portugal quando foi declarado o estado de emergência: mobilizar o todo nacional, ouvir e manter permanentemente informados os partidos da oposição, criar sinergias na liderança do Estado entre Presidência da República, Governo e Assembleia da República. Em particular para o Governo, ter consciência que o seu papel poderá ser mais o de saber ouvir para melhor executar.
Se bem se recordam, o que propiciou os excelente resultados de Portugal na prevenção do COVID-19, considerado um dos países mais seguros da Europa, foi a antecipação de grande parte da sociedade civil à data oficial do confinamento. Uma semana antes, a maioria das Universidades já estavam fechadas e muitas empresas já com os trabalhadores em casa. Quantas vidas não foram salvas graças a esta antecipação a um decreto governamental?
A partilha de informação é, por isso, um dos grandes aliados de um governo moderno e inovador. Criar parcerias com a sociedade civil e com investigadores para criar ‘dashboards’ como o COVID Insights que nos indicam que os concelhos de maior risco em Portugal são hoje – Vila Nova de Foz Côa, Amadora e Reguengos de Monsaraz e que 3 municípios da grande Lisboa estão no top 10 de maior risco é socialmente útil. A tomada de consciência destes dados pelos próprios poderá fazer diminuir esse risco com as medidas adequadas que serão mais facilmente compreendidas pelas suas populações.
Saber aproveitar ao máximo todo o potencial da sociedade civil poderá ser a grande prioridade de um ‘Governo Facilitador’. Não existem técnicos suficientes na Região de Lisboa? Vamos aprender com as autarquias e mobilizar voluntários. Uma entrevista de rastreamento é muito demorada? Vamos lançar o desafio às empresas tecnológicas e universidades nacionais para desenhar sistemas que usem a inteligência artificial para encurtar esses tempos.
Portugal foi recentemente incluído no grupo dos países mais inovadores pela comissão Europeia (1), e considerado pela OCDE como o país no mundo com mais projetos inovadores no combate ao COVID-19, com menção para o Trace Covid dos SPMS (2). E se, ainda assim, surgem críticas à resposta da região de Lisboa e Vale do Tejo, o melhor que há a fazer é adoptar a fórmula de sucesso dos municípios: reconhecer as vulnerabilidades, mobilizar todos os recursos, incluindo a sociedade civil, as empresas, as universidades, partilhar a informação e trabalhar de modo colaborativo, nunca isoladamente.
Post Scriptum:
Li este fim de semana uma declaração no Expresso que me deixa incrédulo. Ricardo Batista Leite “o governo deixou de nos consultar”. Espero que se corrija rápidamente o tiro e se mantenha esse ‘conselho estratégico para Saúde’ com representantes dos principais partidos e das Regiões Autónomas, sem esquecer que em matéria de Saúde somos um todo nacional não apenas o continente.
(1) https://sicnoticias.pt/pais/2020-06-23-Portugal-e-o-12.-pais-mais-inovador-da-Uniao-Europeia
Créditos imagem: https://reportersombra.com/a-perspectiva-do-copo/