Pensar nas medidas que podemos tomar para conter esta pandemia apenas como algo que será um “parche” de curto prazo e que tudo voltará rapidamente ao normal dentro de um ano é desperdiçar uma grande oportunidade, talvez a única em séculos, de criar uma nova sociedade muito mais resistente a qualquer futura pandemia.
O tradicional período de férias de verão, no hemisfério norte, está a terminar e para muitos esta será o retomar de atividade após o primeiro recesso estival na era Post-Covid.
Falando com amigos as respostas que recebi de quem esteve no Algarve ou no Sul de Espanha a diferença apenas se notou – “estava cheio e com poucas pessoas usando máscara.” No meu caso, na Ericeira, consegui sempre uma mesa nos locais mais concorridos da vila e quase toda a gente com máscara. Não posso, por isso, extrapolar conclusões.
O que posso testemunhar é que houve uma grande preocupação por parte da autarquia em informar através de campanhas em cartazes na rua “O virus não foi de férias” e com as medidas a adotar para um desconfinamento responsável. Creio que este tipo de campanhas são universais por toda a Europa, outra coisa é que os cidadãos adiram ou não. A emoção de poder estar de novo com familiares e amigos do peito pesa mais que a razão e vejo que isto é mais verdade nos países do sul que no norte da Europa, no Brasil será ao inverso.
Prever o futuro
É bom ver que se retomam no Infarmed – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde – reuniões envolvendo os ‘stakeholders’ da sociedade civil como é o caso das ordens profissionais ligadas à saúde, junto com altos dirigentes do ministério da saúde e membros do governo.
Como bem referiu António Sales, Secretário de Estado da Saúde «o poder de antecipação continua a ser a melhor ferramenta de que dispomos. É a nossa vacina» e as orientações estratégicas são hoje claras:
- Preservar vidas humanas;
- proteger os mais vulneráveis;
- garantir respostas no Serviço Nacional de Saúde além da Covid-19;
- e preparar uma possível segunda vaga da pandemia, assegurando a quebra, a contenção e mitigação de cadeias de transmissão.
Mas falta agora o passo seguinte. Para retirar os elevados níveis de ansiedade à população é necessário criar um plano robusto em que esta se sinta preparada não apenas para a segunda mas para todas as vagas seguintes.
Este vírus veio para ficar
O ponto de partida para esta inflexão estratégica já foi dado pelo diretor-geral da OMS e que já publiquei antes aqui.
“Nenhum país será capaz de resolver este problema sozinho até que tenhamos a vacina, que será uma ferramenta vital e esperamos tê-la o mais rápido possível, mas não há garantia de que a teremos, e mesmo que a tenhamos, não vai acabar com a pandemia ”.
Tedros Adhanom, Diretor-Geral da OMS
Um artigo escrito por Tomás Pueyo e outros colegas e que rapidamente se tornou duplamente viral Coronavirus: The Hammer and the Dance já há muito alertou, este vírus está instalado numa espécie cuja ampla distribuição por toda a geografia planetária lhe dará excelentes possibilidades para mutar.
Os vírus baseados em RNA, como o coronavírus ou a gripe, tendem a sofrer mutação cerca de 100 vezes mais rápido do que os baseados em DNA – embora o coronavírus se modifique mais lentamente do que os vírus da gripe.
Pensar nas medidas que podemos tomar para conter esta pandemia apenas como algo que será um “parche” de curto prazo e que tudo voltará rapidamente ao normal dentro de um ano é desperdiçar uma grande oportunidade, talvez a única em séculos, de criar uma nova sociedade muito mais resistente a qualquer futura pandemia.
Da dança do R a um cenário de longo prazo
As medidas que estão a ser tomadas pelos governos em todo o mundo já foram há muito tipificadas e estão catalogadas por Pueyo neste gráfico.
Tudo gira em torno do R, a famosa taxa de transmissão. Num país sem qualquer tipo de preparação este pode variar entre 2 e 3, o que significa que alguém que é infectado, contagia entre 2 e 3 outras pessoas em média. Se o R estiver acima de 1, as infecções crescem exponencialmente mas se estiverem abaixo de 1 a pandemia é contida.
O que temos agora que começar a preparar é um cenário de futuro no qual as vacinas que forem adquiridas possam ter diferentes tipos de impactos. São os próprios fornecedores que avisam que o grau de eficácia de uma vacina pode variar. A compra de vacinas como uma ‘commodity’ ao melhor preço por volume poderá não ser a melhor ideia. Em vez disso, procurar realizar parcerias estratégicas com fornecedores e contratar resultados poderá ser uma melhor abordagem.
A eficácia das reuniões no Infarmed como medida de antecipação poderá ser aumentado se estas forem desenhadas para dar resposta a um horizonte temporal mais dilatado que o Outono/Inverno.
Na minha associação (IAF International Association of Facilitators) temos um grupo de trabalho dedicado à facilitação de reuniões de “Future Foresight” e esse tem sido também o objetivo de alguns dos Think Tank que moderei no Fórum Hospital do Futuro em Portugal e no Brasil.
A título de exemplo, algumas actividades que podem ser incluidas numa reunião de prospectiva:
ATIVIDADE 1: Compreender o domínio. Trata-se de clarificar o conceito e âmbito da reunião e definir um glossário de termos que seja bem compreendido e partilhado por todos os participantes na reunião.
ATIVIDADE 2: Aflorar os pressupostos iniciais, Trata-se de explanar e clarificar as principais suposições atuais que estão moldando o pensamento estratégico num conjunto de premissas que serão avaliadas como confiáveis, incertas ou vulneráveis.
ATIVIDADE 3: Explorar oportunidades de mudança. Trata-se de compartilhar as percepções das principais oportunidades de mudança e discussão sobre seu impacto.
ATIVIDADE 4: Identificar Incertezas Críticas. Usando uma tela de prospectiva estratégica, os participantes destacam as incertezas e problemas mais críticos a serem usados para criar cenários futuros alternativos.
ATIVIDADE 5: Criar cenários estruturados. Os participantes irão construir uma narrativa de desenvolvimento ao longo do tempo para apoiar a proposta de cenários mais prováveis.
ATIVIDADE 6: Investigar desafios & oportunidades. Trata-se aqui de identificar e explorar os desafios e oportunidades inerentes a cada cenário e avaliar a robustez das suposições iniciais.
ATIVIDADE 7: Desenvolver Respostas. Finalmente, trata-se de desenvolver respostas aos desafios e oportunidades na forma de conselhos e recomendações coletivas para os cenários mais prováveis.
Exemplos de possíveis recomendações
Sem querer antecipar os resultados de um ‘Think Tank’ desta natureza, estas poderiam ser algumas recomendações.
Medidas que evitem a mobilidade desnecessária da população.
- Desenhar um sistema de ensino onde a virtualidade seja a norma nos graus de ensino politécnicos e superiores e poder criar mais facilmente percursos escolares e graus académicos partilhados entre duas ou mais universidades com benefício para os estudantes e seus empregadores.
- Criar ‘bairros inteligentes’ nas periferias das grandes cidades, com sistemas de mobilidade repartidos e por pré-reserva, associados a espaços públicos de ‘co-working’ com excelentes condições de conectividade e convívio social seguro e que possam evitar as deslocações em massa de pessoas para escritórios longe das suas residências.
Potenciar os benefícios da Saúde Digital:
- Obrigatoriedade de tornar anónimos os dados em saúde de toda a população num “data lake” (base nacional de pacientes) de gestão pública, mas que possa ser usado quer para fins de investigação clínica por operadores privados, quer para uma rastreabilidade imediata de contágios não apenas de covid19 mas de qualquer virus, reduzindo assim o impacto das gripes sazonais na população e possibilitando a criação de vacinas mais eficazes.
- Dar aos ACES (Agrupamentos de Centros de Saúde) a capacidade para ampliar o seu âmbito de contratação de médicos especialistas e de intervenção junto das farmácias comunitárias, os laboratórios de análises clínicas ou com as ópticas para a existência de espaços de tele-consulta e outros serviços de tele-diagnóstico médico evitando duplas deslocações de pacientes na prestação de cuidados de saúde que seriam supervisados por estes e integrando todos os dados de consumo de produtos de saúde na base nacional de pacientes.
- Criar um conceito de hospital virtual em rede em que as urgências possam ser realizados em centros de saúde tecnologicamente equipados para prestarem todos os cuidados especializados assistidos remotamente por uma ‘pool de especialistas’ que apoiam médicos generalistas e menos especializados ‘in situ’.
E um largo etc.
Se as coisas são inatingíveis… ora!
Não é motivo para não querê-las…
Que tristes os caminhos, se não fora
A presença distante das estrelas!
Agenda
16 a 18 de Setembro – Late Summer Virtual Campus
29 e 30 de Setembro – Reunião Virtual – Cimeira das Regiões de Saúde
28 a 30 de Outubro – Health Data Forum Global Hybrid Summit
Referências
Modern Mobility, empresa especializada em ajudar as comunidades e governs em encontrar soluções de mobilidade inteligente.
Dynniq, empresa especializada no uso otimizado da infraestrutura existente dentro e entre as cidades.
Newcities, Re-imaginando cidades por meio da inovação urbana. NewCities é uma organização sem fins lucrativos global comprometida em moldar um futuro urbano melhor, com sede no Canadá.
Urban Innovative Actions é uma iniciativa da União Europeia que promove projetos-piloto de desenvolvimento urbano sustentável.
IAF – Associação Internacional de Facilitadores – tem um grupo de trabalho sobre facilitação de reuniões de prospectiva: Future of Foresight Facilitation.
O EIT Health foi criado em 2015, como uma “comunidade de conhecimento e inovação” (KIC) do Instituto Europeu de Inovação e Tecnologia (EIT).
A European Connected Health Alliance (ECHAlliance) é o Conector Global para Saúde Digital, facilitando as conexões de várias partes interessadas em torno dos ecossistemas, promovendo mudanças sustentáveis através de uma comunidade que reúne mais de 700 organizações membros entre as quais o Fórum Hospital do Futuro.
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Crédito da imagem de capa: Portal SNS | Newsletter 35/2020