Mais do que falta de investimento, Portugal tem falta de “políticas públicas claras e mobilizadoras em Ciência”. Quem o diz é Miguel Castanho, investigador principal do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes (iMM) e Professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, líder do projeto NOVIRUSES2BRAIN. “O desenvolvimento científico em Portugal está muito dependente de financiamento e políticas públicas”, confirma. Mas defende: “pior que pouco financiamento, é ter políticas de ciência ambíguas e confusas. Na ausência de políticas públicas claras e bem definidas, o financiamento não tem aplicação eficiente e a meritocracia é comprometida. É este o principal desafio da atualidade”.
A uma evolução “muito positiva” sentida até à intervenção da Troika, na sequência da crise financeira, seguiram-se “restrições económicas, primeiro, e a ausência de políticas mobilizadoras, depois” que, garante o investigador, “impediram o continuar dessa evolução”. Hoje, considera não haver “uma verdadeira aposta a nível nacional”. Em vez desta, fala “numa gestão casuística de fundos regionais. Portugal pouco mais investe em investigação científica do que as contrapartidas nacionais aos fundos regionais. Para além de um não-investimento, esta atitude representa uma enorme confusão entre políticas de âmbito nacional e regional”.
São vários os programas, nacionais e internacionais de apoio à investigação. Miguel Castanho conhece-os bem. O projeto “NOVIRUSES2BRAIN”, que lidera e que se encontra a desenvolver medicamentos capazes de chegar a partes muito protegidas do corpo, como o cérebro ou os fetos, no caso de grávidas, e de impedir vários tipos de vírus de causarem danos nesses locais, até conquistou 4,2 milhões de euros de financiamento no âmbito de um deles, o mecanismo de financiamento europeu FETOPEN. É, por isso, com conhecimento de causa que o investigador fala na burocracia subjacente aos processos de candidatura, sobretudo em Portugal. Considera que esta burocracia não vem “de uma incompetência. A prática corrente é a de financiar concursos nacionais com fundos regionais, o que leva a uma enorme confusão. Colocar problemas nacionais de investigação científica no espartilho dos fundos regionais, tipicamente destinados a organizações de dimensão local, leva a um labirinto administrativo de enorme complicação. A burocracia não nasce da incapacidade da máquina administrativa do Estado; nasce do desajuste dos mecanismos de financiamento em relação à natureza da investigação científica, que deveria ser apoiada condignamente pelo Orçamento de Estado”.
Defende, por isso, uma política de ligação da Ciência à Economia, que diz ser inexistente. “A Ciência não se esgota na ligação à Economia mas a ligação entre ambas é muito importante. Em Portugal, a Fundação para a Ciência e a Tecnologia, que financia a investigação científica, e a Agência Nacional de Inovação, que financia desenvolvimento e inovação ao nível de empresas, são realidades diferentes e independentes. Sem uma Economia da Ciência, a geração de emprego fica comprometida”, refere.
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